Fazer o bem sem ostentação.
Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos
homens, para serem vistas, pois, do contrário, não recebereis recompensa de
vosso Pai que está nos céus. — Assim, quando derdes esmola, não trombeteeis,
como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos
homens. Digo-vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. — Quando
derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; —
a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em
segredo, vos recompensará. (S. MATEUS, cap. VI, vv. 1 a 4.)
Tendo Jesus descido do monte, grande multidão o seguiu. Ao
mesmo tempo, um leproso veio ao seu encontro e o adorou, dizendo: Senhor, se
quiseres, poderás curar-me. — Jesus, estendendo a mão, o tocou e disse:
Quero-o, fica curado; no mesmo instante desapareceu a lepra. — Disse-lhe então
Jesus: abstém-te de falar disto a quem quer que seja; mas, vai mostrar-te aos
sacerdotes e oferece o dom prescrito por Moisés, a fim de que lhes sirva de
prova. (S. MATEUS, cap. VIII, vv. 1 a 4.)
Em fazer o bem sem ostentação há grande mérito; ainda mais
meritório é ocultar a mão que dá; constitui marca incontestável de grande
superioridade moral, porquanto, para encarar as coisas de mais alto do que o
faz o vulgo, mister se torna abstrair da vida presente e identificar-se com a
vida futura; numa palavra, colocar-se acima da Humanidade, para renunciar à
satisfação que advém do testemunho dos homens e esperar a aprovação de Deus.
Aquele que prefere ao de Deus o sufrágio dos homens prova que mais fé deposita
nestes do que na Divindade e que mais valor dá à vida presente do que à futura.
Se diz o contrário, procede como se não cresse no que diz.
Quantos há que só dão na esperança de que o que recebe irá
bradar por toda a parte o benefício recebido! Quantos os que, de público, dão grandes
somas e que, entretanto, às ocultas, não dariam uma só moeda! Foi por isso que
Jesus declarou: “Os que fazem o bem ostentosamente já receberam sua
recompensa.” Com efeito, aquele que procura a sua própria glorificação na
Terra, pelo bem que pratica, já se pagou a si mesmo; Deus nada mais lhe deve;
só lhe resta receber a punição do seu orgulho.
Não saber a mão esquerda o que dá a mão direita é uma imagem
que caracteriza admiravelmente a beneficência modesta. Mas, se há a modéstia
real, também há a falsa modéstia, o simulacro da modéstia. Há pessoas que
ocultam a mão que dá, tendo, porém, o cuidado de deixar aparecer um pedacinho,
olhando em volta para verificar se alguém não o terá visto ocultá-la. Indigna
paródia das máximas do Cristo! Se os benfeitores orgulhosos são depreciados
entre os homens, que não será perante Deus? Também esses já receberam na Terra
sua recompensa. Foram vistos; estão satisfeitos por terem sido vistos. É tudo o
que terão.
E qual poderá ser a recompensa do que faz pesar os seus benefícios
sobre aquele que os recebe, que lhe impõe, de certo modo, testemunhos de
reconhecimento, que lhe faz sentir a sua posição, exaltando o preço dos
sacrifícios a que se vota para beneficiá-lo? Oh! para esse, nem mesmo a
recompensa terrestre existe, porquanto ele se vê privado da grata satisfação de
ouvir bendizer-lhe do nome e é esse o primeiro castigo do seu orgulho.
As lágrimas que seca por vaidade, em vez de subirem ao Céu,
recaíram sobre o coração do aflito e o ulceraram. Do bem que praticou nenhum
proveito lhe resulta, pois que ele o deplora, e todo benefício deplorado é
moeda falsa e sem valor.
A beneficência praticada sem ostentação tem duplo mérito.
Além de ser caridade material, é caridade moral, visto que resguarda a
suscetibilidade do beneficiado, faz-lhe aceitar o benefício, sem que seu
amor-próprio se ressinta e salvaguardando-lhe a dignidade de homem, porquanto
aceitar um serviço é coisa bem diversa de receber uma esmola. Ora, converter em
esmola o serviço, pela maneira de prestá-lo, é humilhar o que o recebe, e, em
humilhar a outrem, há sempre orgulho e maldade. A verdadeira caridade, ao
contrário, é delicada e engenhosa no dissimular o benefício, no evitar até as
simples aparências capazes de melindrar, dado que todo atrito moral aumenta o
sofrimento que se origina da necessidade. Ela sabe encontrar palavras brandas e
afáveis que colocam o beneficiado à vontade em presença do benfeitor, ao passo
que a caridade orgulhosa o esmaga. A verdadeira generosidade adquire toda a
sublimidade, quando o benfeitor, invertendo os papéis, acha meios de figurar
como beneficiado diante daquele a quem presta serviço. Eis o que significam
estas palavras:
“Não saiba a mão esquerda o que dá a direita.”
(Fonte: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XIII, itens
1 a 3.)
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